24 de julho de 2011

Comentário - A Sangue Frio de Truman


Com A Sangue Frio, Truman Capote inaugurou um novo estilo na literatura e no jornalismo: uma mescla até então inédita do espírito ivestigativo do jornalismo com a análise psicológica dos personagens, definido pelo autor como um “romance de não ficção”. Na trama, vamos acompanhando, detalhadamente, os diversos aspectos e repercussões do assassinato de quatro membros de uma família, numa cidadezinha do Kansas, Estados Unidos. O livro também traça um perfil detalhado dos assassinos: desde problemas na infância, até os desejos mais íntimos que os motivaram a cometer esse crime que chocou a sociedade na época.

Alguns anos atrás, Capote tornou-se figura celebrada, principalmente pelo lançamento da cinebiografia do autor, Capote (2006), que concorreu a diversos prêmios, incluindo o Oscar. Até A Sangue Frio, o autor era mais conhecido por livros de ficção, como Bonequinha de Luxo, participações em roteiros de filmes e pelo convívio direto com a alta sociedade nova-iorquina, incluindo as estrelas da música e do cinema da época. Foi folheando o jornal que Capote deparou-se com a notícia do assassinato da família Clutter, que serviria de embrião para seu livro mais famoso. A idéia inicial do escritor era escrever um artigo sobre como uma cidadezinha se comportaria diante de tal chacina e como as relações na comunidade seriam afetadas pela suspeita, uma vez que o paradeiro dos assassinos ainda era desconhecido. Com a prisão dos criminosos, o texto tomou novos rumos e passou a abordar, paralelamente, os aspectos psicológicos dos assassinos. 

Ao todo, o livro levou cerca de seis anos para ser escrito e, apesar de atualmente questionarem até que ponto Capote não teria “alterado” alguns depoimentos e passagens, o que se tem, no geral, é uma grande reportagem, escrita com a fluência de um romance. Capote consegue narrar de maneira detalhada, mas sem ser cansativa, os ambientes, personagens e situações. 

O destaque da trama não é mais o assassinato em si, o factual, mas o perfil psicológico dos personagens, principalmente dos assassinos: dois ex-presidiários que bolaram um golpe para recomeçar a vida no México. Capote é habilidoso em marcar a personalidade de cada um, dessa forma, Richard Hickicok, o Dick, surge inescrupuloso, grosseiro, extremamente calculista, enquanto Perry Smith revela-se dono de uma alma sensível e ao mesmo tempo capaz de matar uma família inteira por dinheiro.  Essa descrição é capaz de levar o leitor em uma jornada e uma confusão de sentimentos: ao mesmo tempo que percebemos a brutalidade do crime cometido, à sangue frio, vamos, pouco a pouco,  compartilhando os dilemas de culpa e arrependimento dos assassinos. Há também uma aparente imparcialidade na trama, já que nenhum julgamento é feito explicitamente, apenas a narrativa dos fatos como aconteceram, sem opiniões ou criticas por parte do autor. A imparcialidade também é atingida com o relato dos próprios assassinos, uma vez que dá voz para os dois lados envolvidos no fato. Até o titulo “A Sangue Frio” pode ser relacionado com o crime em si, ou à execução dos dois criminosos.

Capote conseguiu transformar uma noticia de jornal em uma analise profunda de seus personagens, narrando de forma continua e estimulante, os diversos aspectos que cercam o fato. Independente se é jornalismo ou literatura, não há como negar que estamos diante de uma grande obra.

2 comentários:

Bruna La Serra disse...

Adoro a forma como você me convence. Quero mto ler um dia. A crítica ficou muito boa. Parabens!

Bruna La Serra disse...

sei que não é seu perfil e que infelizmente a diva Clarice virou clichê... Mas um dia quero ler uma crítica sua sobre alguma obra dela. Suspeito que vai ficar demais. Um olhar masculino como o seu que equilibra técnica e sensibilidade na medida vai com certeza perceber coisas muito interessantes, bem além do óbvio e do piegas.