10 de dezembro de 2012

Crítica - MDNA tour/Madonna (São Paulo 04/12/2012)



Em 2008 houve uma comoção para ver Madonna no Brasil: a venda de ingressos foi um tumulto, a chegada da estrela foi A sensação da mídia e a cantora ainda engatou o namoro com Jesus Luz, para delírio dos sites sensacionalistas. Para muitos, aquela seria, talvez, a única oportunidade de assistir a lenda do pop ao vivo, com a recordista e colorida turnê Stick & Sweet. Quatro anos depois, Madonna volta à São Paulo, com sua MDNA Tour, divulgando o novo álbum de inéditas homônimo. Se por um lado há menos histeria, por outro, a artista compensou seus súditos na terça-feira (4/12) com um show ainda mais teatral e que questiona os limites entre música, arte visual e cinema, transformando tudo em um verdadeiro musical impactante.

A Madonna que se apresentou em São Paulo dessa vez era bem diferente de 2008, assim como o show pouco lembrava as cores, puladas de corda e danças animadas da turnê anterior. Há mais trevas do que luz na nova turnê da loira, que revela-se uma releitura (potencializada) de vários momentos marcantes de Madonna no palco, com uma roupagem moderna e tão espetacular que ainda destaca-se e soa original. Se há quem critique as músicas e os novos álbuns de Madonna, no palco qualquer crítica pode ser questionada. Ela nunca foi uma brilhante dançarina, nem canta impecavelmente (em alguns momentos, prefere dublar os refrões para não desafinar), mas no quesito de performance e domínio de palco, ainda não há ninguém como ela. Você pode nem conhecer as músicas que tocaram, mas ficará com as imagens delas grudadas em sua mente: a bandida sexy do começo, a baliza que celebra a juventude e a musa da moda que posa para lentes imaginárias enquanto canta seu hino Vogue.

Madonna ensaiando no Morumbi
O diferencial da artista, entretanto, não é apenas o cuidado quase obsessivo com que cuida de seus shows, nem da tecnologia de última geração que permeia todo o espetáculo. Além de toda estrutura e recursos, há uma mensagem forte em cada um dos blocos. Nada está no palco para ser apenas um enfeite ou perfumaria, mas ajuda a contar uma história. Os gigantescos telões não servem apenas para transmissão de imagens coloridas ou frases, como em outros shows, mas são indispensáveis para criar um cenário e até reflexões que expandem o conceito das próprias músicas. Madonna é mestre na arte de casar músicas com imagens impactantes e aposta nessa combinação em grande parte do show. Nesse contexto, até o setlist é importante para ajudar a entender a jornada que Madonna propõe com MDNA. Se por lado ela abriu mão de clássicos-agita-estádio como Music, La Isla Bonita, Boderline ou Ray of Light, por outro ela conseguiu recuperar clássicos que andavam esquecidos em seu repertório, como Open Your Heart, Justify My Love e Papa Don’t Preach, além de apresentar músicas que nem foram singles ou grandes sucessos comerciais como Candy Shop, Nobody Knows Me e Human Nature. Uma ousadia que alguns artistas veteranos não teriam coragem.

O ensaio já mostrou um pouco do que veríamos. Pouco depois das 22h, a nave de uma igreja gótica é projetada, monges entoam um cântico gregoriano enquanto as gárgulas se posicionam no palco. Trovões, raios e a resposta do público. A evocação tem seu objetivo concretizado e surge um oratório carregando uma figura que reza nas sombras pela redenção dos pecados. Se na turnê anterior Madonna surgia como uma rainha devassa em seu trono estilizado, agora ela está interessada em algo ainda maior: ser um objeto de adoração, uma santa com manto e coroa, pronta para ser reverenciada. Não demora muito para ela se livrar desse “disfarce” e nos apresentar o primeiro personagem da noite: a assassina de preto, inspirada no filme Faster, Pussycat Kill Kill!, clássico trash referência de Tarantino. Os monges também retiram o manto e Girl Gone Wild é apresentada de maneira épica, com uma coreografia de tirar o fôlego na igreja em chamas e a comoção do público em perceber que o mito de Madonna é real e está ali, tão perto e tão longe, dentro de sua própria fantasia. O clima desse começo é pesado, com a sequência Revolver, música pouco conhecida da coletânia Celebration. O grupo de bandidas deixa a cantora sozinha no palco, para o auge da teatralidade e um dos momentos mais divertidos do show: Gang Bang, encenada em um cenário fuleiro de um quarto de motel. Em uma coreografia que simula lutas e assassinatos, Madonna ri enquanto canta “agora estamos no caminho do inferno e eu tenho muitos amigos por lá” e o sangue escorre no telão. Se nos filmes a Madonna atriz sempre foi um fracasso, nos palcos e clipes a cantora parece convincente nos papeis que interpreta, nesse caso, algum filme B.

Os primeiros trechos do sucesso Papa Don’t Preach são cantados e o público tem seu primeiro momento de comoção e não só de impacto. Mas, nessa turnê, a música não é mais uma queixa da menina grávida que enfrenta o pai, mas um pedido de ajuda, um clamor por perdão. Carregada por mascarados, Madonna atravessa as labaredas do inferno, se equilibrando no skaylaider enquanto Hung Up é tocada em uma versão bem diferente: time goes by, so slowly quando se equilibra para não cair. A cantora consegue superar essa provação e está novamente na igreja do começo do show, onde canta I Don’t Give A sozinha com guitarra, acompanhada pela freira Nicki Minaj nos telões. Quando a rapper avisa que só existe uma rainha, o público aplaude, enquanto Madonna é elevada por uma plataforma até a cruz de sangue. A mensagem é clara: apesar dos pecados e provações, Madonna conseguiu atingir seu objetivo e ascende aos céus, sendo reverenciada como Rainha. O primeiro interlúdio é com Best Friend, música que lamenta o fim do casamento com o diretor Guy Ritchie, expurgando de vez a frustração pelo fim do relacionamento.

Madonna celebra a juventude e música pop no segundo bloco
O segundo bloco tem início: o público ainda está com as imagens de sangue, cruzes e armas do segmento anterior na cabeça, quando as cores invadem o show, no momento mais animado da turnê. No mundo de Madonnna, entretanto, nem mesmo a diversão é inocente: no meio de tantas cores, a Rainha do Pop alfineta as novatas. Muitos nem percebem que enquanto a cantora, vestida de baliza de fanfarra (e não de líder de torcida como alguns jornais colocam), dança e canta, nos telões são exibidos ‘monstrinhos’ que comem enlatados com a imagem de Madonna. A crítica fica ainda mais evidente quando Madonna começa os versos de Born This Way mesclados com Express Yourself e prova que as músicas, realmente, são muito parecidas. A avaliação da veterana vem com uma frase de reprovação: “She’s not Me”, repete. A lavação de roupa suja continua com a próxima música, a deliciosa Give Me All Your LUV, primeiro single de MDNA e que continha uma crítica velada à música pop atual. Esse é um dos momentos mais incríveis, animados e impecáveis do show, com Minaj e M.I.A nos telões, líderes de torcida e bateristas flutuando sobre a platéia. O momento ‘auto-celebração” continua e temos uma pequena introdução com vários sucessos de Madonna que bombaram nas rádios, até que Turn Up the Radio começa em uma performance um tanto parada, mas que a cantora torna empolgante com muito esforço. Nesse momento, atingir as notas mais altas torna-se complicado e Madonna prefere desafinar que perder a empolgação. O momento acústico começa com Open Your Heart completamente transformada, de pop pegajoso à dança tribal com o trio Kalakan. Importante lembrar como Madonna sempre cedeu espaço em seu palco para novidades como Gogol Bordello, LMFAO, M.I.A, a trupe cigana da turnê anterior e até PSY, que demonstra sua vontade em dialogar com as novidades da música, principalmente do segmento ‘não-pop’. Com uma performance bonita, um arranjo mais latino e bons vocais, a vencedora do Globo de Ouro de Melhor Canção, Masterpiece, encerra o bloco.

Uma risada rompe a noite paulistana, nos telões, Madonna encarna seu sonho erótico em ‘tons de cinza’ enquanto foge de mascarados ao som de sua polêmica Justify My Love. Com inspiração no cinema clássico, o interlúdio marca a temática do próximo bloco: a celebração da moda, sexualidade, androgenia e liberdade de expressão. Vogue retorna às origens com o desfile de moda, flashes, coreografia com muitas poses e uma releitura do icônico sutiã cônico que Gaultier fez para ela na escandalosa Blond Ambition. Madonna paga a cafetina e entra no bordel decadente onde Candy Shop aparece em uma versão remodelada, misturada com Erotica. A platéia, que possivelmente nem reconheceu a música, só se anima nos momentos em que a cantora dança com o namorado, na parte mais sensual do show. A próxima música não poderia ser melhor que o “hino pessoal” de Madonna, Human Nature, que a cantora fez para rebater as críticas na época em que tirar roupas no palco era algo incomum. Entre espelhos, Madonna faz seu strip calculado, arrancando gritos da platéia a cada peça de roupa que cai. “Não me arrependo, é a natureza humana”, ela repete como se tentasse explicar a bela lingerie que está vestindo e o corpo ainda firme que exibe. Sabendo o quanto é bela e dona do palco, Madonna vira e sua bunda aparece em um close no telão. A plateia parece surpresa quando ela sai de cena sem cantar Like a Virgin, um dos momentos mais esperados do show. No palco, o video do último bloco começa antes que alguém questione a falta da canção mais famosa de Madonna.

A festa de encerramento com Celebration
No lugar de outras cantoras que fazem discursos demorados sobre preconceito e autoaceitação, Madonna prefere protestar por imagens. Nobody Knows Me, música do polêmico American Life, é exibido nos telões no “video-protesto” dessa turnê e nos lembra uma aparente contradição: muitos falam de preconceito, mas se esquecem que a própria Madonna sofre críticas pela idade. O clima pesado começa a mudar com os primeiros acordes de I’m Addicted, uma das melhores músicas do último álbum, que ao vivo ganha ainda mais força, apesar da performance um tanto confusa com Joana D’ark, artes marciais e meditação. Destaque para a iluminação, que deixa claro que poucas cantoras atualmente teriam um palco e equipamentos dessa magnititude. I'm a Sinner, entoa Madonna enquanto somos levados em uma viagem de trem pela Índia e todo o misticismo. O efeito visual nessa música é incrível e o palco da cantora parece um transformer, com diversas saídas, plataformas e telões. No fim, um mashup com Cyberaga (novamente com o trio Kalakan, que conseguem ter uma participação efetiva ao longo do show), anúncia o objetivo desse bloco: a elevação e encontro com a espiritualidade. Like a Prayer, hino máximo de Madonna, vira um coro gospel com todos os fãs cantando juntos. Lá está Madonna, cantando sua oração profana e se transformando, ela mesma, no objeto de adoração capaz de gerar uma catarse coletiva. O estádio está tão harmonia que não percebe que estamos na reta final do espetáculo (já??). Restam apenas as formas geométricas que parecem saídas de Tron. A cantora volta, pela última vez, com a apresentação do remix de Give it 2Me e Celebration em uma versão poderosa e animada, que fará o público sair do espetáculo convencido de que tudo foi uma grande festa, uma celebração da música pop e que, infelizmente, Madonna ainda consegue ser melhor no palco que qualquer outro artista da música pop atual. Ela parece realmente feliz nesse finalzinho, cantando e dançando sem se preocupar tanto com a atuação ou com os olhares de superioridade que mantém por todo espetáculo. Nesse hora, ela é a mulher sem idade, se divertindo e curtindo o momento, sem se preocupar com as críticas ou mesmo com a técnica. Celebration chega ao fim e Madonna se despede, feliz.

Para quem foi esperando ver Madonna cantar Holiday com roupas dos anos 80, o show pode ter sido uma grande decepção. A nova turnê de Madonna não tem o objetivo de fazer dançar ou cantar, mas ser impactado, seja pelos incríveis vídeos, as coreografias que desafiam a gravidade ou a própria Madonna, que consegue estar mais bonita e interessante que há quatro anos atrás. Agora resta a dúvida quais serão os próximos passos da veterana, o que ela está planejando para os próximos álbuns e turnês já que ainda estamos acostumados a esperar o melhor dela. Se seguir a cartilha de MDNA, podemos esperar shows cada vez mais teatrais e que demonstram que só há uma Rainha.