18 de fevereiro de 2015

Megapost: Entendendo Living For Love de Madonna


A crítica foi praticamente unânime em apontar ‘Living for Love’, produção dirigida por Julien Choquart e Camille Hirigoyen como o mais influente clipe de Madonna desde que a Rainha do Pop desfilou seu collant roxo em Hung Up e iniciou a onda do revival dance-disco-setentista. A cantora andava mesmo um tanto desleixada com as produções de videoclipes, área em que foi referência por anos e rendeu pérolas como Like a Prayer, Frozen, Bedtime Story, superproduções como Express Yourself, Die Another Day, além dos polêmicos e censurados Justify My Love e Erotica. Se na última era, Give me All Your Luving foi uma divertida crítica ao cenário pop atual, Girl Gone Wild e Turn Up the Radio passaram quase desapercebidas do grande público e não conseguiram marcar a identidade visual do álbum MDNA.  

Aparentemente uma produção simples, Living For Love acerta onde algumas das criações recentes de Madonna pecaram, criando imagens fortes, personagem marcante, além da referência ao passado da artista, ao mesmo tempo em que aponta para a vontade da cantora em dialogar com um novo público. O próprio lançamento do vídeo, o primeiro videoclipe lançado mundialmente pelo aplicativo Snapchat, já indica como Madonna está de olho em novos meios de divulgar seu nome para futuras gerações, especialmente os mais jovens que talvez ainda associem Madonna como a ‘rival de Lady Gaga’ e ainda não tiveram contato com o trabalho dela. 

Como todo lançamento de Madonna, mesmo um clipe aparentemente simples, revela significados e referências a outros trabalhos da artista, homenagens e marca uma mensagem de superação, como diz a letra da canção.

A LETRA


Living for Love foi definida pela própria Madonna como uma canção sobre triunfar logo após ter o coração partido, uma mensagem de superação. Não há espaço para martírios românticos ou vítimas: no novo single, Madonna adota uma postura de esperança quando as coisas não parecem tão bem e aposta no amor como o elemento motivador das grandes mudanças.

First you love me and I let you in
Made me feel like I was born again
You empowered me, you made me strong
Built me up and I can do no wrong
I let down my guard, I fell into your arms
Forgot who I was, I didn't hear the alarms
Now I'm down on my knees, alone in the dark
I was blind to your game
You fired a shot in my heart

No começo da música, Madonna descreve como deixou-se enganar por um relacionamento aparentemente perfeito, deixando de lado os próprios gostos e dependendo do outro para fortalecê-la, motivá-la. Com o rompimento dessa realidade, ela percebe que estava ‘cega para o jogo’ e agora terá que enfrentar sozinha o fim dessa relação e encontrar a automotivação para seguir em frente.  

Took me to heaven and let me fall down
Now that it's over
I'm gonna carry on
Lifted me up, and watched me stumble
After the heartache, I'm gonna carry on
Living for love
Living for love
I'm not giving up
I'm gonna carry on

No lugar de lamentar esse término ou se colocar como a vítima da situação, o refrão da canção revela a mensagem de superação, ao colocar o amor (próprio) como elemento motivador para não desistir e superar as adversidades. O amor que antes era dedicado para o outro, volta-se para si, sendo um elemento de mudança. 

I could get  caught up in bitterness
But I'm not dwelling on this crazy mess
I found freedom in the ugly truth
I deserve the best and it's not you
You broke my heart, but you can't bring me down
I was falling apart, what was lost, now I'm found
I picked up my crown, put it back on my head
I can forgive, but I will never forget

Já superado o fim desse relacionamento, há a libertação e a convicção de que ela merece 'o melhor', diferente da relação fracassada que estava vivendo. Encontrando a liberdade na 'feia verdade' e já fortalecida, ela não se deixa mais abalar por essa história, recolocando 'coroa em sua cabeça', encarando o problema de frente. Apesar de parecer uma história superada, há uma promessa: apesar de perdoar, ela ainda não é capaz de esquecer, aprendendo com essa situação.

As Touradas


Semanas antes do lançamento do clipe, quando ainda não havia a confirmação da temática, a cantora postou uma foto de toureiro em a conta do Instagram, com elogios a pose ‘sexy’ da imagem. Minutos depois, a enxurrada de críticas diziam que as touradas incentivavam a matança do touro por entretenimento e mesmo com a cantora tentando justificar que admirava a pose e figurino na foto, ela acabou deletando a imagem para não gerar ainda mais polêmica ou ter que ficar que justificando as postagens. 

Polêmicas, as touradas fazem parte da cultura espanhola e são recheadas de simbolismo, rituais e etapas. A tradicional imagem do homem duelando contra o touro com uma capa vermelha é apenas uma parte do espetáculo, que envolve riscos para todos os participantes. Nesse duelo tão próximo com o animal, os dribles com a capa servem justamente para o toureiro conseguir avaliar o porte, velocidade e força do touro, para decidir o momento ideal para desferir o golpe. A tourada espanhola, diferente de outras versões em países Latinos, termina com o animal morto, de preferência com uma morte rápida e com um golpe calculado. Se o toureiro der o golpe certeiro, o animal não permanecerá por mais alguns minutos vivos e será ovacionado pelo público presente. 

Além da polêmica dessa tradição aparentemente cruel, o meio ainda é dominado pelos homens, apesar de existirem mulheres que encarem uma arena. As reais toureiras ainda lidam com o preconceito de participarem de um ambiente predominante masculino e têm que viver de maneira centrada para serem bem-sucedidas e encarem os perigos da prática, como retratado em ‘Fale com Ela’, do diretor Almodóvar em que a personagem toureira é atropelada por um touro e entra em estado vegetativo.

Entre os significados que alguns adotam das touradas, está a luta entre o homem e o animal, a razão sobre o instinto e até o feminino contra o masculino. 

Madonna e os toureiros


Não é a primeira vez que Madonna se aproxima do universo das touradas: em 1994, com o belíssimo clipe de Take a Bow (que fez com que ela ganhasse o papel título em Evita), ela interpretava uma mulher apaixonada pelo toureiro, quase obcecada pela imagem viril que ele representa. Depois de finalmente seduzi-lo, ela era abandonada e terminava o vídeo sozinha, encarando que tinha sido usada pelo homem que tanto venerou. O clipe tornou-se uma referência na videografia da cantora, na época no auge da beleza e rendeu uma das baladas de maior sucesso da carreira, permanecendo no topo das paradas por semanas. 



O sucesso de Take a Bow fez com a cantora repetisse a dose e fizesse a primeira continuação de videoclipe da carreira com a balada You’ll See. Dessa vez, entretanto, a situação era inversa: o toureiro arrependido segue Madonna para pedir perdão, mas a cantora está decida em deixá-lo, viajando para longe. Na letra, ela insiste em que não perderá a fé no amor e irá encontrar forças para superar essa desilusão, sozinha. Quase em tom de ameaça, a faixa termina dizendo 'eu não preciso de ninguém dessa vez - você verá'. 


O Clipe

Décadas depois de deixar o toureiro no clipe de You'll See, é Madonna agora quem assume o papel de domadora. Se em Take a Bow e You'll See as touradas eram um ambiente viril e sedutor, dessa vez ela surge como um dramático palco de lutas, com status de libertação. Se no clipe clássico de 1994 ela se arrumava para seduzir o toureiro, dessa vez ela se apronta para a luta.


Com belos e detalhados figurinos criado sob coordenação de B. Åkerlund com a estilista alemã Verena Dietzel, conhecida por peças burlescas, Madonna surge sozinha no palco que simula uma arena de tourada cercada com cortinas vermelhas, treinado para a luta (espetáculo) que está para começar. Se antes ela sofreu de amor e prometeu que iria superar, em Living For Love ela retoma a mensagem de superação e força, dessa vez encarando de frente os 'minotauros' que adquirem o significado dos problemas passados, relacionamentos fracassados e até ex-amantes. 





Já fortalecida e confiante, acreditando no amor próprio como defesa, a cantora adota uma postura provocativa, encarando os minotauros e fazendo com que, um a um, eles a enfrentem e sejam domados na arena. Ao encarar os problemas 'de frente', ela prova que está além dessas adversidades e logo faz com que os minotauros sigam seu comando, seu ritmo, como se tomasse as rédeas da situação.






Depois de dominar seus problemas, Madonna aparece rapidamente com uma máscara de diamantes parecida com as dos minotauros, que por sua vez revelam seus rostos. Se antes eles eram intocáveis seres místicos, agora eles não passam de homens comuns. Abandonando o figurino de toureira, Madonna ressurge mais feminina, solta e vibrante, como se depois de controlar seus medos a cantora se libertasse e estivesse pronta para uma nova fase. Um dos minotauros até tenta seduzi-la (uma reconciliação?), mas logo é repelido pela cantora, que é elevada pelos seres como a vencedora da Arena. 




Como na tradição espanhola, os minotauros são mortos e Madonna surge vitoriosa no fim, sendo ovacionada pela platéia que acompanhava o espetáculo. Encarando os medos e acreditando no amor como o motivador de grandes mudanças (como diz a letra), o clipe traz elementos da carreira da artista e faz referência as coreografias e palco de Maurice Bejart, além de pequenas polêmicas como o incentivo as touradas ou aqueles que preferem acreditar que Madonna está enfrentando 'demônios' no clipe. Com uma produção aparentemente simples, mas repletas de detalhes, Living For Love marca o começo da era 'Rebel Heart' e prova que Madonna ainda está interessada em permanecer no imaginário popular com imagens impactantes e, como diz na canção: não irá desistir!