“Quem é você?”.
O questionamento, que se tornou a base da filosofia ocidental e até de estudos
posteriores, mantém a relevância, como comprovam dois filmes distintos, tanto
na trama quanto na realização, mas que oferecem o debate sobre o que nos
diferencia e nos conecta. De um lado, temos o alternativo Holy Motors, indicado
como um dos melhores filmes de 2012 e figura constante em festivais. De outro,
A Viagem, filme ambicioso dos realizadores de Matrix, uma produção
hollywoodiana que dividiu opiniões e acabou passando desapercebida das
premiações. O dois, entretanto, causam reações distintas no público por apostarem
em abordagens originais de suas temáticas.
Holy Motors é um
daqueles filmes que não faz questão de se explicar ou apresentar conclusões
para o espectador. É possível ler dezenas de comentários e análises distintas
sobre o filme, cada uma abordando uma linha de interpretação. Em uma trama mezzo
surrealista, acompanhamos Oscar, que entra em uma limousine e recebe `missões” e
personagens variados ao longo de um dia, vivendo variadas situações. Dessa
maneira, o vemos ele se transformar em uma moradora de rua, um pai de família
preocupado e até um doente terminal. Em cada missão, o personagem é tão
realista que começamos a nos perguntar qual daqueles seria verdadeiro, ou se
todos, de alguma forma, são verdade. Acabamos sem saber se Oscar é um ator, um
anjo, um ser imortal ou apenas uma metáfora sobre as máscaras sociais que
adotamos ao longo da vida. A dúvida aumenta ainda mais quando Oscar encontra
outras pessoas que fazem a mesma coisa que ele.
Afinal, o que
diferencial, realmente, a moradora de rua de um doente terminal? Nesse caso,
eles são representados pela mesma pessoa, só adotando posturas e roupas
diferentes. Não seríamos todos personagens esperando o momento certo de nos
produzir e reproduzir nossas falas? Não estaríamos desempenhando sempre os
mesmos papéis? Assim como a bela modelo que mesmo raptada por uma criatura
bizarra, continua a desfilar e posar para lentes imaginárias, não conseguindo
encarar ou se chocar a realidade em que se encontra. Não há respostas
definitivas, já que o diretor Leo Carax não quis facilitar para o espectador,
deixando a interpretação em aberto, assim como as grandes obras de arte.
Bem mais
acessível, A Viagem, apresenta histórias aparentemente distintas, focadas em
relacionamentos, nos erros e conflitos de cada época. Dessa forma, acompanhamos
a viagem de um navio negreiro, um músico homossexual que tenta criar uma
obra-prima, uma investigação jornalística na década de 70, um grupo de idosos
tentado fugir do asilo no presente, uma revolução social na Seul do futuro e
um mundo devastado após a queda da humanidade. A ligação entre as histórias,
muitas vezes, é muito sutil, ressaltada pela ótima edição do filme que consegue
conectar momentos que demonstram a mesma intensidade e importância na história
daqueles personagens. Simples atitudes no passado podem resultar em uma
revolução no futuro, como a garçonete menosprezada que é reverenciada como uma
divindade no futuro (uma alusão à origem simples de Jesus?), ou a música, filme
e livro que emocionam mesmo após décadas do surgimento.
A divisão das
histórias em diretores diferentes também ajudou a “costurar” a trama, já que
os momentos de ação ficaram com os irmãos Wachowski (Matrix, V de Vingança),
enquanto as tramas mais emocionantes tiveram a direção de Tom Tykwer (O
Perfume, Corra Lola Corra). Além disso, a decisão em usar os mesmos atores em
todas as histórias estabelece a ideia de reencarnação e causa e consequência,
que permeia toda a trama. “Tudo está
conectado”, diz o cartaz do filme, que é uma adaptação do livro “Cloud Atlas –
Além das Nuvens”, considerado infilmável por muito tempo.
Holy Motors e A
Viagem estão longe de agradarem a todos, na verdade, são filmes que têm
potencial em se tornarem obras cultuadas daqui algum tempo, porém, não é sempre
que o cinema atual nos oferece a oportunidade de assistir filmes diferentes,
que nos propõem questões e debates tão atuais. Vale a pena dar uma chance!
2 comentários:
Bom dia
Gostaria de fazer uma sugestão para o blog.
Tem algum contato eletrônico?
Agradeço
Plíno Camillo
Boa tarde Plínio, pode entrar em contato pelo e-mail fguines@hotmail.com!
Agradeço pelo contato
Att
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