Depois de muita polêmica sobre o “fracasso de vendas”, os ânimos pareceram se acalmar e, pouco a pouco, o estádio do Morumbi se encheu para assistir ao primeiro show de Lady Gaga na capital paulista nesse domingo, 11 de novembro. Apesar das anunciadas 50 mil pessoas, a pista normal parecia bem tranquila e o público bem variado: little monsters vestidos com roupas do bizarro mundo de Gaga, “caça-shows” com fotos para Instagram, casal de namorados mais tradicionais e muitos grupos de amigos que foram curtir, sem nenhuma expectativa. As críticas do Rio de Janeiro já anunciavam que o espetáculo seguia a cartilha das turnês pop, com boa produção e entretenimento de primeira linha.
Ouve-se um barulho na platéia e logo surge Lady Starlight mascarada dançando. Sua performance, entretanto, pouco agrada ao público e ela sai carregada do palco, depois de beber meia garrafa de uísque na “”performance””. As primeiras gotas de chuva caem no show de abertura do The Darkness, que conseguiu animar, apesar da curta duração do show. Alguns veículos noticiaram que o público da pista VIP chegou a vaiar e chamar por Gaga durante a apresentação, mas a sensação foi que a maiora das pessoas curtiram.
Quase às 21h, o estádio finalmente tem a visão do castelo medieval onde Gaga irá apresentar sua Born This Way Ball. O público se manifesta de verdade quando a cantora, montada em um cavalo cenográfico (surpreendentemente realístico) e cercada por bandeiras começa a cantar os primeiros trechos de Highway Unicorn/Road to Love. A rápida introdução é precedida por uma projeção com a cabeça, a “mãe alienígena”, que avisa que Lady Gaga é uma fugitiva e que a operação ‘mate a vadia’ terá início. Esse é o ponto de partida da trama que conduz o show, uma mistura de dominação alienígena, renascimento, novas gerações e muitos discursos de auto ajuda. Com um figurino inspirado no filme Alien e ainda mascarada, Gaga canta Government Hooker enquanto simula sexo com um dançarino, que depois é executado no fim do número.
A próxima música, Born This Way, é a primeira a agitar os fãs, que cantam cada trecho em alto e bsom. No palco, um dos momentos mais divulgados do show: com uma vagina inflável gigante, a cantora simula o parto de uma nova geração. O que soa um tanto ridículo, ao vivo ficou até simpático e, pela primeira vez, podemos ver o rosto de Gaga descoberto. Apesar de cantar com bases pré-gravadas (especialmente os refrões das músicas que exigem mais fôlego ou dança), a cantora faz questão de tentar animar o público e evita o playback o quanto pode. Enquanto simula seu próprio parto, Gaga também falou pela primeira vez sobre a relação com o Brasil: “Vocês são o futuro!”, gritou. O discurso emocionado sobre a recepção brasileira continuaria por todo o show, em alguns momentos até atrapalhando o andamento das músicas e deixando o clima um pouco cansativo. A cantora não perdia uma oportunidade de dizer o quanto estava surpresa com os brasileiros e como tinha se identificado profundamente com nosso povo e cultura. “Você são os fãs mais apaixonados”, disse ao explicar que também gosta de demonstrar as emoções, mas que não era compreendida em outros lugares do mundo.
Black Jesus/Amen Fashion começa a tocar e poucos parecem conhecer a faixa que faz parte da versão especial do último álbum, a coreografia interessante, entretanto, consegue contornar o problema. Nesse momento, fica óbvio que a cantora prefere deixar os passos mais difíceis para os dançarinos, acompanhando os refrões ou até deixando o palco para que eles brilhem. O clima muda, com muita fumaça e uma iluminação mais baixa: em Bloody Mary o longo vestido branco faz a cantora “flutuar” pela passarela enquanto celebra um “Jesus Cristo Brasileiro”. Um ovo similar ao que ela usou no Grammy do ano passado entra no palco e Gaga sai com uma “roupa-armadura” e máscara. As troca de roupas são rápidas, entre uma música e outra, mas, pela primeira vez, o figurino parece atrapalhar sua movimentação no palco. Bad Romance começa a tocar e o público novamente se empolga e canta junto o refrão do hit.
No alto da torre para onde foi carregada, Gaga pede “mãos para o alto” e emenda uma versão mais curtinha do segundo single de Born This Way, Judas. Não há referências religiosas ou nada que possa chocar na performance, que acaba sendo um pouco apressada e esquecível. Nesse aspecto, a cantora parece se afastar muito da tradição de Madonna e prefere não impactar o público, apenas entretê-lo. Fashion of His Love também é cantada rapidamente, enquanto alguns dos figurinos mais conhecidos da cantora passam em cabides. É um momento mais despretensioso e colorido do show, que termina com Just Dance, que novamente anima o público em geral. “Nunca esquecerei quando me disseram que essa música estava em primeiro lugar no Brasil”, diz. Love Game começa e muitos nem sabem onde Gaga está, já que ainda olham para o castelo. Na ponta da passarela, a cantora canta em uma “banheira-taça” com uma roupa ‘estátua da liberdade’. Aqui, a trama inicial dos alienígenas já está praticamente esquecida, mas o importante é que Telephone, sucesso com a participação de Beyoncé, está tocando!
Um bloco com estética rock tem início, com a cantora transformada em uma motocicleta, como na capa (horrível) do cd. A performance de Heavy Metal Lover é um tanto parada, mesmo com uma dançarina seminua pilotando a moto-Gaga. Bad Kids mantém esse clima de pouca interação, até que Gaga senta-se nas escadas para receber os presentes dos fãs. Emocionada, lê em voz alta uma cartinha quando acertam um dos presentes em sua cabeça. O público ensaia uma vaia para quem jogou, mas Gaga acalma os ânimos: “Estou bem, ok?”, diz rapidamente. Ao sentar-se ao piano com três fãs ao lado, Gaga diz mais uma vez o quanto está feliz em fazer esse show e é interrompida pelos little monsters que estão no palco, “sim, eu sou real”, ela responde a menina que não parava de chorar e abraça-la. Nesse momento, as interrupções começam a soar cansativas, principalmente para quem não é tão fã de Gaga. Na arquibancada, muito se sentaram. “Eu não sabia, mas escrevi essa música pensando nesse momento”, diz ao começar Hair, no momento acústico do show. Na escola Mariah Carrey, Gaga prolonga as notas e canta visivelmente emocionada uma música sobre... o cabelo (?).
A primeira surpresa da noite veio as primeiras notas de Princess Die, baladinha que poderá estar no novo álbum de Gaga, um pedido dos fãs. Os little monsters gritam por The Queen, música quase desconhecida e que nunca tinha sido cantada ao vivo pela cantora (uma das minhas preferidas). Gaga tira sarro com a situação e insinua que os fãs brasileiros só disseram amá-la só para pedir músicas ou fotos. No improviso, Gaga começa a cantar e, nesse momento, a letra nunca pareceu tão apropriada: “Eu posso ser a rainha que há dentro de mim/ é minha chance de mostrar isso/.../posso ser a rainha que você precisa de mim”, diz a canção. Se em outros shows da turnê Gaga parecia frágil, insegura ou até mesmo pouco inspirada, nesse momento ela está empenhada em mostrar aos fãs que poderá ser mais que uma cantora pop qualquer. You & I começa e o público novamente se empolga com a balada à Shania Twain, mas leva um balde de água fria com a performance chata de Eletric Chapel, apesar da iluminação colorida do castelo.
Entramos no último bloco do show, com uma introdução longa de Americano, uma das canções mais divertidas do último trabalho. Com uma roupa de carne e pendurada entre peças de açougue, a cantora canta e faz uma coreografia que beira o ridiculo, mas consegue divertir. Poker Face e Alejandro seguem a mesma linha, com recriação dos passos e roupas dos clipes, entre moedores de carne, sutiãs de armas e dançarinos apenas de sunga. “Aqui Born This Way Ball é real!”, ela diz quase no fim do show. Paparazzi é cantando em grande parte pela “mãe alienígena” do começo do show, que finalmente é destruída por Gaga, que dança em Sheibe para celebrar seu novo “território”, livre de preconceitos ou tristezas e marca a saída de Gaga do palco. Muitos já estavam saindo do estádio quando a cantora voltou para The Edge of Glory (cantada em coro pelo estádio) e o final com Marry the Night, último single lançado, que contou com a presença de vários fãs no palco.
No fim, little monsters e pessoas que foram apenas para conferir a “cantora louca” ao vivo, comentavam como Gaga tinha sido simpática durante todo o espetáculo. No fundo, Gaga é mais fofa do que bizarra. Apesar de tudo, a sensação é que a turnê anterior era ainda mais divertida, justamente por não ser tão pretensiosa. Além disso, a sequência de algumas músicas esfriavam muito os ânimos, aliado aos discursos frequentes que atrapalharam o andamento até das músicas. No quesito produção, tanto o cenário, trama e figurinos podem parecer um tanto cafonas nas fotos, mas ao vivo combinam com o estilo da cantora.
Alguns críticos comentaram a falta de ousadia e renovação em alguns momentos. É inegável que tanto as coreografias quanto os arranjos pouco mudaram desde 2008, com repetição até de figurinos em alguns casos. Não que seja indispensável reinventar-se toda vez, Michael Jackson, por exemplo, tinha orgulho de dançar e cantar da mesma maneira em todas as turnês, mas para artista que sempre levantou a bandeira da renovação, soa um pouco estranho mesmo. Além disso, qualquer comparação com Madonna termina ao ver Lady Gaga ao vivo: são propostas muito distintas de músicas, shows e posturas. Os fãs de Gaga querem uma amiga enquanto os de Madonna querem um ícone.
Gaga brilha quando faz o que sabe de melhor: cantar e entreter. Os melhores momentos foram, justamente, aqueles em que ela deixou de lado o personagem, as preocupações com as coreografias ou os discursos clichês e se divertiu de verdade. Foi bacana ver uma artista se esforçando para compensar os “ingressos caros” (como ela mesmo frisou) e com vontade de que todos estivessem aproveitando aquele momento. Para os próximos projetos, Gaga poderia levar essa lição: menos preocupação e mais diversão! Agora é esperar ArtPop e relembrar esse show que pode ter modificado, quem sabe, os rumos da carreira de Gaga e de muitos fãs que tiveram por algumas horas o contato com seu objeto de adoração.
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