16 de setembro de 2012

Meia Noite em Paris - Woody Allen


Há uma tendência cada vez mais forte em olhar o passado em busca de ideias, seja na moda ou nas artes. Até Hollywood parece nostálgica ao dar o Oscar a "O Artista", um filme mudo em preto e branco. Na fotografia, usam-se filtros que deixam as fotos com cara de antigas pelo aplicativo Instagram. É nesse contexto saudosista que Meia-noite em Paris (2011), de Woody Allen, se encaixa: uma obra que celebra o passado e dá ao espectador muitas reflexões sobre o tema.

Gil (Owen Wilson), o protagonista, busca no passado a segurança e conforto que não encontra no presente, no qual é constantemente cobrado e avaliado pelos colegas, sogros e até pela noiva. Apesar do sucesso como roteirista de filmes populares de Hollywood, Gil mantém o sonho de se tornar escritor e busca em Paris a inspiração para criar sua história e provar que pode ser bem mais que  um sujeito mediano.

A Paris apresentada por Allen é encantadoramente glamourosa. Não há problemas na cidade, apenas prédios históricos, pessoas interessantes e ambientes belissimamente decorados. Quase como um lindo cartão postal em movimento. No decorrer da trama, a cidade ganha novas significações, tornando-se um símbolo da efervescência cultural, inspiração dos poetas e artistas de décadas passadas. Nesse sentido, a fotografia é eficiente em explorar os pontos mais conhecidos de Paris, tornando-a um cenário que transmite cultura e história a cada frame. A bela trilha sonora também ajuda a criar esse ambiente charmoso com canções de Cole Poter (em nenhum momento é ouvido músicas atuais, mesmo com a cantora Carla Bruni no elenco).

 

Há outros recursos que ajudam a separar "passado dourado" e o "presente cinzento". Se na atualidade, em que o protagonista vive um noivado infeliz com uma mulher superficial (que prefere fazer compras que conhecer os pontos históricos de Paris), as cores são mais frias, quando Gil é transportado “magicamente” para o passado, o filme adota cores mais quentes, como o dourado e o laranja, acentuando essa mudança e, principalmente, sugerindo aquela época como mais viva, culturalmente ativa.

É interessante também observar como os artistas que aparecem no filme tornam-se, eles mesmos, representantes máximos dos movimentos que participaram. Dessa maneira, só para citar os mais conhecidos, Picasso representa o ápice do cubismo, Dalí o surrealismo, Hemingway a literatura e Bunuel o cinema experimental francês. Podemos até extrapolar esse conceito e dizer que todos esses artistas apresentados no longa funcionam como símbolos da arte gerada na década de 20 e reforçam a ideia do passado superior e infinitamente mais interessante.

Se no presente Gil tem como amigo o esnobe Paul, que acredita conhecer tudo sobre todos os assuntos e estar atualizado em todos os temas (chegando a discutir com os guias das exposições), no passado o protagonista é amigo de Hemingway, um escritor celebrado. Enquanto na atualidade Gil é calado constantemente pelos amigos "cultos", que desejam ter a palavra final sobre os assuntos, no passado os grandes gênios pedem sua opinião sobre diferentes temas. Tanto que só no passado o protagonista tem coragem de revelar os manuscritos em que trabalha, já que no presente todos não perdem uma oportunidade de cobrá-lo por não ser tão rico ou tão culto quanto os outros que o cercam.


O contraste entre as décadas aumenta ainda mais quando Gil fica divido entre a noiva do presente, Inez, e Adriana, a mulher dos anos 20. Elas tornam-se representações de suas respectivas épocas: enquanto Inez é superficial, interessada em dinheiro, egoísta e pouco se importa com os desejos de Gil,  Adriana revela-se encantadora e sempre disposta a apoiar o protagonista. Inez é a efemeridade atual, enquanto Adriana é o reconforto do passado. Podemos até identificar que Inez representa o “american way of life”, com seu orgulho de ser americana/capitalista (ela chega a dizer várias vezes que nunca trocaria os Estados Unidos pela França), enquanto Adriana representa o antigo estilo de vida “boêmio” francês: envolvida com a arte e não se importando com bens materiais ou com o futuro.

A contradição entre as duas fica ainda mais evidente com a fotografia do filme: Inez nunca aparece em close, estando sempre em planos mais abertos, já que pouco fala de si, de seus sentimentos. Por outro lado, somos apresentados a Adriana em um belo close de seu rosto, já que logo no primeiro encontro  ela conta toda sua história de estudante de moda e amante de gênios da pintura e literatura, com uma sinceridade encantadora. Esse jogo de cenas nos ajuda a percerber como o protagonista se sente, já que Inez está sempre distante e Adriana, por outro lado, compartilha a visão de mundo, desejos e objetivos.


É possível até relacionar o protagonista com o próprio Allen, roteirista do filme, uma vez que o diretor parece cada vez mais avesso aos sistemas industriais de Hollywood. Enquanto na capital mundial do cinema investem-se milhões de dólares em efeitos especiais, tecnologia 3D e histórias escapistas com cunho de entretenimento, Allen nos oferece filmes “tradicionais”, com foco nos personagens e seu desenvolvimento. O diretor, assim como o protagonista, parece se espelhar nos clássicos para criar suas obras e não compartilha o desejo de mídia e estrelato dos colegas, tanto que nem compareceu ao Oscar para ganhar o prêmio de melhor roteiro original nesse ano. Chega até ser curioso que o personagem do romance de Gil, por sua vez, seja uma representação dele mesmo (um homem que trabalha em uma loja retrô e deseja voltar para o passado), estabelecendo, dessa maneira, uma relação cíclica entre Allen, Gil e o protagonista do romance.

Por fim, o filme não oferece explicações ou tenta ser realista, mas propõe um debate sobre essa sensação cada vez mais forte de que o passado parece sempre melhor. Com maturidade, Gil parece aceitar o que o rival Paul diz dos primeiros encontros, de que a nostalgia é uma forma de negação do presente, uma noção errada de que sempre a época passada é melhor do que aquela em que vivemos. Utilizando com maestria diversos recursos do cinema, como a fotografia, direção de arte, trilha sonora e iluminação, Allen consegue criar cenas e situações que transmitem o questionamento central do filme sem abusar de clichês ou diálogos manjados.

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