Agora é moda falar mal de Tim Burton. Criticam
a direção fria, visual sombrio, personagens estranhos e a presença dos mesmos
colaboradores, dos protagonistas ao excelente Danny Elfman na trilha
sonora. Muitos esquecem que esses elementos são marcas registradas do diretor,
motivos que o tornaram tão famoso. Também esquecem que a carreira de Burton não
é linear ou recheada apenas de sucessos: para cada Peixe Grande e Edward Mãos
de Tesoura, temos um Marte Ataca! ou Planeta dos Macacos. Dizer que ele "perdeu a mão" é precipitado.
A nova parceria com o amigo
Johnny Depp e com a esposa é Sombras da Noite, filme
inspirado na série de televisão dos anos 60 que abordava os acontecimenos
sobrenaturais que rondavam a família Collins, que recebe a visita de um parente
vampiro, Barnabas, que dormiu por 200 anos depois de ser amaldiçoado por uma
bruxa com quem teve um romance. Como em outras obras de Burton, o filme
apresenta uma releitura dos elementos que fizeram parte da infância do diretor,
que foi recheada de filmes de monstros e histórias de terror. Entre erros e
acertos, o resultado é bom filme, que ganha força justamente por não se levar
tão a sério.
Como adaptação de uma serie de televisão, o
filme acaba prejudicado pela grande quantidade de personagens e
histórias sem desenvolvimento. Se na telinha o excesso de tramas paralelas
ajuda a manter a audiência, no cinema acaba soando apressado. Dessa maneira, bons personagens, como a psiquiatra alcoólatra vivida por Helena, acabam sem
o destaque que mereciam. A trama do jovem David, atormentado pela mãe que
morreu afogada, é esquecida em boa parte do filme e só volta ao destaque quase
no fim. A própria Victoria, que seria a protagonista da históra, perde força no
decorrer da trama. Vale
ressaltar também que o todo o ato final soa forçado, com pontas soltas em busca de
ganchos para continuações, uma possível exigência do estúdio.
Sombras da noite: na TV e no cinema |
Uma das opções mais acertadas do roteiro foi a
não alterar a década em que Barnabas acorda e não cair na tentação de
“modernizar” ou trazer para os dias de hoje a história do filme (com possíveis
piadinhas sobre facebook e outras modernidades). Ao estabelecer a trama na década de 70, podemos rir
dos costumes da época e acreditar mais na lógica do filme, em que hippies
dividem drogas com um vampiro sem perceber que há algo de errado.
Se na história há falhas, não podemos reclamar
do elenco estrelar que Burton arrumou dessa vez. Michelle Pfeiffer e Eva Green
roubam a cena, aproveitando ao máximo os momentos em que aparecem. Michelle
disse que chegou a implorar para voltar a trabalhar com o diretor, depois de
criarem a mulher gato icônica (e insuperável) de Batman - O Retorno. Aqui, ela
está confortável como a matriarca da família, a mulher bela e forte capaz de lutar quando necessário. Já Eva Green prova que pode fazer do
mundo de Burton, ao criar uma vilã sensual na medida certa: irresistível e
odiosa, linda e repulsiva, cruel e divertida. Já o grande Depp parece que
finalmente se livrou dos trejeitos de Jack Sparrow e se entrega em uma
performance divertida e carismática.
Eva e Michelle roubam a cena |
Como de costume, o visual chama atenção com a
direção de arte e figurinos impecáveis. Há todo o colorido dos anos 70, com o
estilo gótico recheado de referências do diretor. Barnabas parece a versão romântica de
Nosferatus, enquanto a bruxa Angelique remete ao sucesso A Morte Lhe Cai Bem.
Os efeitos especiais parecem propositalmente bem marcados e datados, para aumentar o tom de sátira e não dar o mínimo de veracidade na história. Há
também os elementos recorrentes de Burton, como as árvores retorcidas, jovens
loiras indefesas e a aquela cena em que Victoria deve passar pelo portão da
mansão, logo no ínicio, que faz um paralelo com Edward, Alice e no próprio
Batman: é necessário atravessar aquela barreira para entrar no mundo da
fantasia, do sobrenatural. Também não deixa de ser divertido ver uma rápida
participação de Christopher Lee, o Drácula, conversando com o vampiro Barnabas.
Recebido com relativa frieza pela crítica (que
demonstra muita má vontade com o diretor depois de Alice) e com resultados mornos nas
bilheterias, Sombras da Noite deverá se tornar um filme menos lembrado na
carreira de Burton. Pode até não ser uma obra perfeita, mas demonstra que as
parcerias do cineasta ainda rendem personagens interessantes, visuais
arrebatadores e vampiros que bebem sanguem e queimam ao sol, como devem ser.
Agora, resta torcer para que Frankenweenie, animação que Burton lançará nesse ano,
seja uma obra-prima e cale novamente todas as críticas que se tornaram tão
comuns. Em Burton eu ainda confio!
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