19 de dezembro de 2011

Comentário - Rocky Horror Picture Show

Atualmente é comum ouvir a definição 'filme cult' para qualquer obra independente ou de pouco apelo comercial que é lançada. Um filme cult, na essência, é um produto que não tem uma boa recepção do público ou reconhecimento de crítica na época em que foi lançado e é descoberto futuramente, influenciando a estética de outras produções cinematográficas e adquirindo status de uma obra cultuada, com uma base de fãs. 

Só para ficar com exemplos famosos de obras cults, temos Blade Runner – O Caçador de Andróides e O Estranho Mundo de Jack, filmes que se tornaram clássicos com o tempo, apesar de um lançamento ruim. Uma das maiores obras cults de todos os tempos é a adaptação cinematográfica do musical Rocky Horror Picture Show (1973). Quando lançado nos cinemas, o longa foi um fiasco de bilheteria e poucos entenderam a trama anárquica que faz uma homenagem aos filmes de ficção e ao cinema trash. Após o fracasso, o filme começou a ser exibido nas famosas “sessões da meia-noite”, que divulgavam longas de baixo orçamento. O sucesso de Rocky Horror nessas sessões foi imediato, tornando-se o filme que ficou mais tempo em cartaz.

Anarquia, tramas estranhas e o visual glam rock
O sucesso posterior deve-se, principalmente, pela estranha mistura de tramas e influências. É um musical que satiriza os filmes de terror com a manjada história do casal nerd que se perde em uma tempestade e acaba no castelo assombrado. Todos os elementos do terror trash estão lá: os empregados sinistros, o dono do castelo estranho, duelo de cientistas, crimes e até extraterrestres. Junte isso com várias passagens que celebram o amor livre, o humor negro e músicas que grudam na cabeça.

Uma trama tão confusa poderia ser um fracasso se não fosse pelas grandes atuações de todo o elenco em papéis encantadores. Tin Rourque é o centro das atenções como Dr Frank, o cientista travesti mestre do castelo que pretende criar um ser humano esteticamente perfeito (referência direta ao clássico do terror Frankenstein). O casal nerd e puritano chama a atenção pelas mudanças que vão sofrendo ao longo do filme, descobrindo muito sobre a sexualidade e sentimentos reprimidos Além desse trio principal temos os  serviçais do castelo, fundamentais para o desfecho dessa trama estranha.

Homenagem de Glee ao musical
Como clássico cult, o filme acabou inspirando dezenas de outras produções culturais, como o recente videoclipe Hold It Against Me de Britney Spears, além de ter sido considerado um dos “30 filmes que mais influenciaram na moda”, com sua estética glam-rock. O filme continua tão presente na cultura pop que ganhou uma homenagem da serie Glee e até um CD com músicas interpretadas pelo elenco.

O filme é, indiscutivelmente, um clássico do cinema B, com a trama um tanto confusa, personagens cativantes e uma trilha sonora deliciosamente influenciada pelo rocky e pop.  Longe de ser um filme indicado para todos os públicos, o longa é uma opção diferente, principalmente para quem gosta de filmes de terror B. Como diria os icônicos lábios vermelhos que abrem o filme: "Oh-oh at the late night, double feature, picture show"

19 de novembro de 2011

Romeu + Julieta de Baz Luhrmann - poesia pop


Romeu e Julieta é uma história tão clássica que é possível lembrar vários filmes, peças, musicais, sátiras e até animações que tiveram base no clássico de Shakespear sobre famílias rivais e jovens apaixonados que levam o amor as últimas consequências. Poucas adaptações da obra, entretanto, foram tão emblemáticas quanto a versão do diretor autraliano Baz Luhrmann (1996), que trouxe a tragédia dos Capuletos e Montéquios para os dias de hoje, transformando a briga de famílias em uma guerra de gangues. A “modernização”, porém, fica só no visual, já que o roteiro apresenta os versos líricos do livro na integra. Poderia ser incoerente, mas nas mãos de Luhrmann os versos ganham ainda mais força e sentido com o visual extravagante. 

Luhrmann usa histórias tradicionais com visuais modernos
A edição frenética, o uso das cores para transmitir sensações (do colorido saturado ao monocromático) e a trilha sonora recheada de canções pop dá um ar de “videoclipe da MTV“ para o filme, que ressalta ainda mais a juventude dos protagonistas e consegue dialogar diretamente com o público atual. Usando com maestria recursos visuais e sonoros, o diretor consegue criar imagens tão fortes que já fazem parte do coletivo popular, como a belíssima cena do encontro de Romeu e Julieta com um aquário entre eles enquanto a festa acontece na mansão dos Capuletos.
 
O elenco é encabeçado por um Leonardo Di Caprio ainda jovem e carismático. O Romeu do ator parece sem perspectivas, rumo ou ideais, até que encontra a razão de sua existência: o amor que nutre pela bela Julieta (Clarice Daines), jovem da família rival e considerada "inimiga". A atriz Clarice Daines cria uma Julieta inocente, quase etérea, mas que consegue manusear uma pistola quando necessário sem perder a feminilidade. Os protagonistas convencem nos papéis de jovens perdidamente apaixonados, capazes de brigar com suas famílias para consumarem seu amor. O elenco de apoio também da conta do recado com muitos rostos que seriam vistos em obras posteriores de Luhrmann. 

O amor em Romeu + Julieta é levado aos extremos
Alguns elementos presentes nesse filme seriam vistos depois em Mouling Rouge, a obra-prima do diretor responsável por trazer os filmes musicais de volta as telas de cinema e aos prêmios. Algumas cenas, como a chuva que cai azulada no momento em que Romeu é exilado da cidade, lembra, e muito, os momentos em que a cortesã Satine deixa seu amado Christian para evitar uma briga no cabaré.

Nos filmes de Luhrmann, principalmente em Romeu + Julieta, a história é conhecida, previsível, mas a forma como é contada é tão inovadora que desperta o interesse do espectador. Em R+J é até possível torcer, genuinamente, por aquele casal fadado ao final mais apoteótico e dramático de todos: morrer por amor. No mundo de Luhrmann o amor é sempre assim: intenso, dramático, proibido e sem medo de abraçar os clichês. Entre cores berrantes, músicas pop e poesia lírica, Romeu + Julieta fica marcado como uma das melhores versões do clássico de Shakespear

23 de outubro de 2011

Com "Sexo" e "Clímax" Erasmo e Marina voltam ao cenário musical



Como a música popular brasileira anda sem grandes ousadias, a tarefa de injetar um pouco de ânimo no cenário musical ficou para dois “veteranos” desse setor: Marina Lima e Erasmo Carlos. Os dois já até trocaram alguns selinhos numa premiação da MTV alguns anos atrás e chegam ao mercado com bons trabalhos que chamam a atenção pela dose de sensualidade nas letras e uma tentativa de modernizar o som desses dois artistas que andavam sumidos do cenário musical.

Marina, com seu Clímax, continua discreta e elegante em seus projetos, mesmo ao abordar sua busca por prazeres na metrópole com “noites de subir pelas paredes altas” na canção de abertura, Não me Venha Mais Com Amor. Marina parece ter aproveitado o contato intenso com a capital paulistana, sua nova casa desde que se mudou do Rio, apresentando um som revigorado, eletrônico e recheado de misturas sonoras em uma tentativa sincera de atualizar seu estilo. Essa é uma característica de quase todo o CD: a sensação de urgência, como se Marina depois dos 50 anos e da mudança de cidade estivesse ansiosa em aumentar o contato com as novidades musicais. Entres as canções, grande parte composições da própria cantora, destaca-se De Todas que Vivi, um dueto com Vanessa da Mata, em que cada cantora respeitou seu estilo de cantar e de interpretar a canção. São Paulo também ganhou uma homenagem em #Sampa Feelings, que chega a rimar Torá com Lady Gaga, para expressar como a metrópole paulista é cosmopolita. Outra parceria de sucesso no novo CD é a radiofônica Pra Sempre, com o vocalista do Skank, Samuel Rosa, que fecha o álbum de maneira mais calma, como se depois da agitação da cidade e dos questionamentos das relações modernas, Marina diminuisse o ritmo. Clímax é superior ao último trabalho de Marina, o também bom Lá Nos Primórdios, por representar, justamente, essa revitalização e novas parcerias no trabalho da cantora, fugindo dos clichês e dos padrões de outras cantoras brasileiras.

Já Erasmo Carlos continua a safra de bons projetos musicais, depois do elogiado Rock N' Roll, com o lançamento Sexo. Enquanto seus colegas da Jovem Guarda só gravam coletânias ou fazem shows bregas em Jerusalém, o “tremendão” aposta em letras repletas de sensualidade e um projeto ousado, a começar pela capa do cd: muito criativa e interessante. Depois da introdução da empolgante de Kama Sutra, música de Arnaldo Antunes que fala sobre as diversas posições sexuais do famoso livro indiano, Erasmo engata uma das melhores músicas do CD: Jogo Sujo, que chama a atenção por colocar a mulher como a interessada apenas por sexo, sem querer comprometimento amoroso. Essa “nova mulher”, mais interessada no prazer que em romance (que Marina também representa em seu novo disco) aparecerá em outras canções do álbum, como Apaixonado Anônimo. O cd perde um pouco do fôlego da metade para o final, com músicas que não contribuem musicalmente e que pouco acrescentam sobre o tema, muita vezes soando  muito parecidas entre elas. Entre os destaques das músicas mais "calmas" do disco estão Santas Mulheres, Seu Homem Mulher e Vênus e Marte.

Marina e Erasmo conseguiram produzir músicas atuais, fugiram de temas batidos e soam atuais sem apagar o histórico dos artistas e suas características principais. Em ambos os CDs, outro fator em comum chama a atenção: a busca por compositores novos, que injetam sangue novo nas produções. Adriana Calcanhotto, por exemplo, colabora com canções nos dois discos, com músicas acimas da média, que provam, mais uma vez, o talento de Adriana como compositora e sua capacidade de dialogar com diferentes ritmos e cantores.

Clímax e Sexo representam bons momentos nas discografias de seus autores por representarem um esforço em dialogar com questões modernas como sexo, vida urbana, amor... Erasmo e Marina, com todo os anos de carreira de cada, conseguiram ser mais relevantes e interessantes que grande parte dos cantores e cantoras que surgiram nos últimos anos. Mais uma vez, os "veteranos" ensinam como produzir obras de qualidade, com uma pitada de ousadia e sem perder a elegância. 

 
 

3 de setembro de 2011

Sinead O' Connor - Nothing Compares 2U


Na começo da década de 90, o mercado musical foi abalado pelo surgimento de uma cantora diferente de toda estética e sonoridade que rolavam nas paradas musicais do momento. Sinead O’Connor, com sua cabeça raspada e voz doce, era tão contraditória que agradou em cheio o público e os críticos especializados. Entretanto,  depois de declarações polêmicas e um aparente desequílibrio emocional, esse mesmo público abandonaria a cantora.  

Nascida na Irlanda, terra do U2 e do The Cranberries, Sinead O’Connor nunca pareceu muito interessada em se comportar como uma pop star comum. A cantora dava declarações polêmicas (como o apoio ao IRA), abandonava e voltava com a carreira e se dizia totalmente contraria aos modelos dos ídolos musicais e da preocupação com a aparência. De cabeça raspada, roupas mal cuidadas e um olhar inquieto que transmitia tristeza e uma revolta contida, Sinead tornou-se mundialmente conhecida com a canção Nothing Compares 2U, uma bela composição de Prince que ganhou na voz triste de Sinead sua versão definitiva e inesquecível. O clipe também ajudaria a lançar a cantora: no lugar de grandes produções ou ideias mirabolantes, temos um destaque no rosto de Sinead que se emociona ao cantar. A simplicidade renderia prêmios e influenciaria diversos outros clipes, entre eles Losing My Regilion do R.E.M.


No auge da fama, Sinead participou de popular programa americano Satuday Night Live e rasgou uma foto do Papa João Paulo II após cantar uma música de guerra e declarar que a aquele era o real inimigo. A cantora pagaria com a própria carreira esse insulto, já que depois disso grande parte do público americano, e mundial, deixou de acompanhá-la. O desequílibrio emocional da cantora ainda renderia resultaria em uma precoce aposentandoria musical. Uma pena, uma vez que Sinead tem uma das mais belas vozes de sua geração e sempre buscou ousar nas parcerias musicais, indo do reggae ao folk com maestria. 

Sinead expressa com a voz sua confusão de sentimentos, em um misto de sussuros doces e gritos de raiva. A autenticidade de Sinead serviria de exemplo para dezenas de outras cantoras posteriores. O talento da carequinha pode ser conferido em músicas como The Last Day of Our Acquaintance, Fire on Babylon, 1001 Mirrors, Success has made a failure of our home, entre as diversas participações em músicas de outros cantores e covers, normalmente acima da média, como Mother do Pink Floyd e Sacrifice de Elton John. 

Depois de abandonar e retomar com sua carreira musical diversas vezes, Sinead acabou saindo de vez da grande mídia e tornando-se uma lembrança um tanto empalidecida dos anos 90, restrita aos apreciadores de música alternativa. Dona de uma voz e visual únicos, a cantora  ainda faz músicas, mas parece pouco interessada em voltar aos holofotes. Cheia de atitude e uma mistura constante de fragilidade e agressividade, Sinead continuará, para sempre, sendo uma das mulheres mais transgressoras da música. 

 

 

13 de agosto de 2011

Madonna 53 anos - O que podemos comemorar?

Madonna no trono, como "Rainha do Pop" em sua última tour

Ela está velha, é feia, não tem talento, é chata, não causa mais polêmica, passou da hora de se aposentar, não sabe mais como chamar a atenção.... 

Essas são críticas comuns a Madonna Ciccone, ou só Madonna, como é conhecida no mundo inteiro. Mesmo se depois de mais de duas décadas como a “Rainha do Pop” não bastassem, Madonna ainda tem, e muito, o que nos dizer. Como um dos símbolos máximos da cultura pop, nenhuma outra cantora chegou aos seus patamares de popularidade, vendas ou influência. Se ela se aposentasse da música e dedicasse o resto dos seus dias sem fazer nada ou simplesmente lançando seus filmes, como diretora ou produtora, ainda assim, seria impossível menosprezar o talento dessa “loira ambiciosa”, que queria dominar o mundo na década de 80, gerou polêmicas nos anos 90 e começou o século XXI como a “mãe da re-invenção”.

O problema é que a cultura pop não tem memória. Os ídolos de uma geração são os astros decadentes da próxima década. Nisso, esqueceu-se que Madonna surgiu nos anos 80, época em que não existia Internet ou a troca tão rápida de informações, e soube, como poucos, reconhecer e dar ao seu público o que ele precisava no momento. No começo da carreira, por exemplo, ela era a expressão dos anos 80, no auge de seus excessos, influências do punk e um misto de inocência e malícia que conquistou rapidamente as paradas musicais do mundo inteiro. Mas isso não faria dela especial ou diferente, já que muitos outros artistas expressavam isso, com até mais talento para cantar e dançar. A jovem com sede de fama sabia que precisaria de algo a mais para se destacar...

Madonna e as "re-invenções" de sua imagem
Com o surgimento e popularização da MTV, como propulsor das novas tendências musicais e comportamentais para os jovens, Madonna e Michael Jackson foram pioneiros ao criarem videoclipes tão famosos que eram capazes de marcar mais que a própria música. Se com a televisão o mundo tornou-se ainda mais imagético, a força da música pop seria ligada diretamente a imagem que o artista representava. Não bastava só cantar, era necessário ter uma imagem forte o suficiente para gravar na cabeça dos adolescentes e fazer com que eles comprassem os discos e quisessem imitar as roupas, os gestos e o estilo de vida dos novos astros. Nisso, surgiram os primeiros personagens de Madonna, como a virgem que rola pelo chão sensualmente e a garota materialista que se inspira em atrizes de Hollywood para destruir corações.  

O segundo elemento que fez Madonna permanecer relevante por 25 anos, foi perceber a efemeridade da música pop e saber se "re-inventar" a cada tendência e novidade musical. No mundo de Madonna não há lugar para a repetição, mesmo com as coisas que fizeram sucesso. No lugar de  continuar com suas músicas como Holiday, a cantora foi mudando sua imagem, sonoridade e até postura ao longo do tempo. Dessa forma, quem vê a deusa do sexo simulando masturbação na escandalosa turnê Blond Ambition pode estranhar a imagem de guerrilheira politizada que se apresentava na divulgação de American Life ou a bruxa que voa pelo deserto no clipe de Frozen. Madonna, na busca pela re-invenção acabou flertando com a música country, com o rock, com a música alternativa, com o R&B, o dance e o hip-hop. O diferencial, é que essa mudança é sempre baseada em influências marcadas, com polêmicas inteligentes e que continuavam soando como Madonna. 

As várias faces de Madonna em duas décadas de carreira
Madonna muda porque a sociedade muda. Para o bem ou para o mal, ela é o que nós somos, como diz o título de seu documentário. Podem dizer que ela está velha ou fora da moda, mas a Rainha do Pop chega nesse mês aos seus 53 anos preparando mais um álbum de inéditas, que já desperta curiosidade e interesse na mídia e nos fãs do mundo inteiro, além de lançar seu longa W.E, em que foi diretora, produtora e roterista. Nesse aniversário, poderíamos apenas celebrar o que Madonna já fez, mas isso seria pouco para essa mulher que ousou debater publicamente sobre sexo, política e religião e ainda teve tempo de se acabar nas pistas de dança e curtir a vida. Não sabemos como será a nova Madonna, mas podemos deduzir que, de certa forma, ela refletirá o que somos.

“Em todo o meu trabalho, o objetivo é nunca ter vergonha: de quem você é, do seu corpo, dos seus desejos, das suas fantasias sexuais. (...) As pessoas têm medo de seus próprios sentimentos, medo do desconhecido. E o que eu estou falando é: Não tenha medo”  
Madonna

31 de julho de 2011

O Mistério de Iamamiwhoami

Vídeos virais, visual excêntrico e talvez a melhor campanha de lançamento de uma artista na era da Internet, podem definir o Iamamiwhoami até agora. Utilizando a tática do mistério como alma do negócio, há cerca de um ano um canal no Youtube chamado Iamamiwhoami começou a postar vídeos bizarros (com cerca de 30 segundos), com uma mulher loira e nenhuma descrição do que seria aquilo. Um mistério começava na Internet e rapidamente começaram os boatos. No começo, pensaram que era algum novo projeto secreto de Aguilera e depois até levantaram o nome de Gaga como responsável, mas Iamamiwhoami era algo bem mais fora do comum. 


No início, os vídeos eram curtos, nomeados com longas seqüência numéricas, mostravam imagens sem sentido (normalmente de paisagens, florestas ou animais) e uma mulher loira entre um frame e outro. Nada que permitisse deduzir muita coisa, muito menos a identidade ou objetivos da loira misteriosa. Nos vídeos mais recentes, postados nos últimos meses, já é possível acompanhar melhor os rumos do projeto. Nomeados com letras ou pequenas palavras, nos novos clipes já  é possível ouvir as músicas (um  pop mais experimental, com ecos de Bjork) e ter melhor noção do visual de Iamamiwhoami, que pode até parecer bizarro, mas está recheado de metáforas visuais e um apuro estético que difere de um projeto amador.


Com cerca de 200 mil exibições em cada vídeo, sem nenhuma divulgação nos meios tradicionais (tv, rádio ou jornais), nenhum CD lançado ou esclarecimento oficial,  o Iamamiwhoami é, até agora, um dos mais instigantes e curiosos “nascimentos” no mundo da música, fruto direto das novas formas de lançar e consumir canções na era da Internet. Trabalhando com o conceito de clipes lançados antes das músicas, o projeto aposta no mistério e no surreal para chamar atenção. Em tempos em que Lady Gaga é considerada A revolucionária da música pop, Iamamiwhoami prova que existem coisas instigantes e interessantes rolando na internet.



24 de julho de 2011

Comentário - A Sangue Frio de Truman


Com A Sangue Frio, Truman Capote inaugurou um novo estilo na literatura e no jornalismo: uma mescla até então inédita do espírito ivestigativo do jornalismo com a análise psicológica dos personagens, definido pelo autor como um “romance de não ficção”. Na trama, vamos acompanhando, detalhadamente, os diversos aspectos e repercussões do assassinato de quatro membros de uma família, numa cidadezinha do Kansas, Estados Unidos. O livro também traça um perfil detalhado dos assassinos: desde problemas na infância, até os desejos mais íntimos que os motivaram a cometer esse crime que chocou a sociedade na época.

Alguns anos atrás, Capote tornou-se figura celebrada, principalmente pelo lançamento da cinebiografia do autor, Capote (2006), que concorreu a diversos prêmios, incluindo o Oscar. Até A Sangue Frio, o autor era mais conhecido por livros de ficção, como Bonequinha de Luxo, participações em roteiros de filmes e pelo convívio direto com a alta sociedade nova-iorquina, incluindo as estrelas da música e do cinema da época. Foi folheando o jornal que Capote deparou-se com a notícia do assassinato da família Clutter, que serviria de embrião para seu livro mais famoso. A idéia inicial do escritor era escrever um artigo sobre como uma cidadezinha se comportaria diante de tal chacina e como as relações na comunidade seriam afetadas pela suspeita, uma vez que o paradeiro dos assassinos ainda era desconhecido. Com a prisão dos criminosos, o texto tomou novos rumos e passou a abordar, paralelamente, os aspectos psicológicos dos assassinos. 

Ao todo, o livro levou cerca de seis anos para ser escrito e, apesar de atualmente questionarem até que ponto Capote não teria “alterado” alguns depoimentos e passagens, o que se tem, no geral, é uma grande reportagem, escrita com a fluência de um romance. Capote consegue narrar de maneira detalhada, mas sem ser cansativa, os ambientes, personagens e situações. 

O destaque da trama não é mais o assassinato em si, o factual, mas o perfil psicológico dos personagens, principalmente dos assassinos: dois ex-presidiários que bolaram um golpe para recomeçar a vida no México. Capote é habilidoso em marcar a personalidade de cada um, dessa forma, Richard Hickicok, o Dick, surge inescrupuloso, grosseiro, extremamente calculista, enquanto Perry Smith revela-se dono de uma alma sensível e ao mesmo tempo capaz de matar uma família inteira por dinheiro.  Essa descrição é capaz de levar o leitor em uma jornada e uma confusão de sentimentos: ao mesmo tempo que percebemos a brutalidade do crime cometido, à sangue frio, vamos, pouco a pouco,  compartilhando os dilemas de culpa e arrependimento dos assassinos. Há também uma aparente imparcialidade na trama, já que nenhum julgamento é feito explicitamente, apenas a narrativa dos fatos como aconteceram, sem opiniões ou criticas por parte do autor. A imparcialidade também é atingida com o relato dos próprios assassinos, uma vez que dá voz para os dois lados envolvidos no fato. Até o titulo “A Sangue Frio” pode ser relacionado com o crime em si, ou à execução dos dois criminosos.

Capote conseguiu transformar uma noticia de jornal em uma analise profunda de seus personagens, narrando de forma continua e estimulante, os diversos aspectos que cercam o fato. Independente se é jornalismo ou literatura, não há como negar que estamos diante de uma grande obra.